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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Escrito por em 9.12.09 com 1 comentário

Wraith: The Oblivion

Em setembro, quando eu fiz o Mês das Coisas que eu Não Gosto Tanto Assim, escrevi um post sobre o RPG Vampire: The Masquerade, que até acabou rendendo um comentário interessante devido a uma frase que soou um tanto estranha. Apesar disso, ele me deixou com vontade de escrever mais um, pelos motivos que agora passo a expor.

Como eu disse naquele post, Vampire faz parte de um cenário conhecido em português como Mundo das Trevas. Mais que isso, ele inaugurou este cenário. Talvez vendo que fazer um RPG sobre vampiros tinha dado certo, ou talvez já tendo planejado isso desde o início, a editora White Wolf, que publicou Vampire, lançou outros quatro títulos, um por ano, todos tendo criaturas sobrenaturais como tema. Depois de um certo hiato eles lançaram mais alguns, mas, para mim, que joguei os "originais" na época em que foram lançados, estes cinco formavam o verdadeiro núcleo do Mundo das Trevas. Títulos como Hunter: The Reckoning e Mummy: The Resurrection, lançados depois do hiato, por mais interessantes que fossem, jamais conseguiram entrar na minha cabeça como "principais", no máximo eu os considerava "acessórios".

Pois bem, dos cinco títulos do Mundo das Trevas original, eu já falei de quatro: Mage: The Ascension, Werewolf: The Apocalypse, Changeling: The Dreaming, e o já citado Vampire: The Masquerade. Como eu disse semana passada, com o final do ano se aproximando, eu costumo começar a pensar nos temas sobre os quais eu gostaria de falar antes de um novo ano chegar. E, ao pensar, cheguei à conclusão de que seria interessante completar o quinteto. Hoje, portanto, é dia de falar sobre Wraith: The Oblivion.

Um dos motivos pelos quais eu nunca escrevi sobre Wraith é que ele não é exatamente um dos meus RPGs preferidos - embora ele também não esteja na lista dos RPGs que eu não goste. Na verdade, eu só joguei uma única vez, em uma sessão que nem chegou ao final, e só tenho um único livro, o livro básico da primeira edição. Wraith possui, porém, uma ambientação interessante - lembra um pouco as histórias de Clive Barker - e faz algumas modificações curiosas nas regras do storyteller, o sistema de jogo usado pelo Mundo das Trevas. Como tanto a ambientação quanto as regras me agradam bastante, às vezes acho que eu só não gosto mais dele porque não o conheço mais.

um Barqueiro"Wraith" é uma palavra de origem escocesa que costuma ser traduzida como "aparição", mas que originalmente significava "fantasma". Em Wraith, portanto, os jogadores serão fantasmas, almas desencarnadas de pessoas que morreram recentemente. Mas, ao invés de ficarem vagando por aí arrastando correntes e assombrando casarões, os fantasmas de Wraith vivem em sua própria sociedade, com seus próprios interesses e propósitos, embora ainda sejam, de várias formas, ligados ao mundo mortal.

No cenário de Wraith, apenas uma minúscula parcela dos que morrem alcança a Transcendência, indo para o "céu" e se tornando seres de luz. Outra pequena parcela é devorada pelo Oblívio, desaparecendo completamente da realidade para não mais voltar. A esmagadora maioria acaba em um local conhecido como Shadowlands, uma espécie de dimensão paralela à nossa. As Shadowlands são uma espécie de espelho do mundo mortal, o que significa que o que existe aqui existe lá também, embora nem sempre com a mesma aparência - já que os habitantes das Shadowlands, como nós, estão sempre modificando o local onde vivem. Além das Shadowlands, há uma tempestade gigantesca, dentro da qual conceitos como tempo e distância como os conhecemos não se aplicam. Conhecida como Tempest, esta tempestade abriga reinos e impérios habitados exclusivamente por fantasmas, que em nada se parecem com o nosso mundo, bem como as Praias Distantes (Far Shores), locais que seriam equivalentes aos céus e infernos de diferentes mitologias e religiões.

O livro básico de Wraith, lançado pela White Wolf em 1994, coloca os jogadores, recém-falecidos, no Império de Stygia, fundado por ninguém menos que o lendário Caronte, e que equivale às Shadowlands do mundo ocidental. O Império é governado com mão de ferro pela Hierarquia, um grupo autoritário que busca manter seu poder através dos séculos, evitando que os habitantes do Império transcendam ou sejam devorados pelo Oblívio - nas palavras do Império, aliás, a Transcendência ou não existe ou é tão perigosa quanto o Oblívio, e ambos devem ser evitados a qualquer custo. Nem todos os habitantes do Império se submetem a esse governo autoritário, porém: alguns corajosos decidem se afiliar aos Renegados, que buscam derrubar a Hierarquia e transformar o Império em um Estado Anárquico, ou aos Hereges, que buscam abertamente a Transcendência. Outros habitantes do Império incluem os Barqueiros (Ferrymen), entidades misteriosas que atuam como guias através da Tempestade, e os Espectros (Spectres), pobres fantasmas que foram corrompidos pelo Oblívio.

O motivo pelo qual os personagens jogadores - bem como quase todos os demais habitantes do Império - não conseguem atingir a transcendência é simples: para usar um clichê do cinema, eles possuem assuntos inacabados. Alguma coisa, quando eles morreram, ficou incompleta, e será impossível que eles encontrem o merecido descanso eterno enquanto este pormenor não for resolvido. Em termos de jogo, isso é representado por duas características, as Paixões (Passions) e os Grilhões (Fetters). Paixões são os eventos que impediram que o pobre defunto caminhasse em direção à luz, como por exemplo "impedir que meu sócio corrupto se case com a minha esposa", enquanto Grilhões são os objetos que o lembram daquele evento, como uma aliança de casamento, ou a caderneta onde o corrupto anotava seu caixa 2. Um mesmo personagem pode ter quantas Paixões e quantos Grilhões ele quiser, sendo eles ranqueados em ordem de importância, mas, quanto mais importantes ou em maior número eles forem, mais ancorado às Shadowlands ele estará, impedido de ascender para uma nova existência. Alguns personagens nem se lembram mais por que eles possuem esses Grilhões, mas se lembram que eles devem ser importantes de alguma forma, e continuam impedidos de transcender. Um personagem que resolva todas as suas paixões, ou destrua todos os seus grilhões, vê a luz, e pode finalmente descansar - embora este seja um evento raríssimo, é também um objetivo válido para qualquer jogador de Wraith.

Mas a Hierarquia e seus laços com o mundo mortal não são as únicas coisas com as quais um personagem de Wraith deve se preocupar: há também, e principalmente, o Oblívio, uma força destrutiva que tudo consome, e, quando devora um personagem, o apaga da existência para sempre - ou o transforma em um Espectro, o que é ainda pior. Originários de uma região da Tempestade conhecida como Labirinto, os Espectros são os agentes do Oblívio, fantasmas que foram maculados por ele mas não morreram, se transformando em agentes de sua vontade, capazes de espalhar seu poder destrutivo. Alguns Espectros um dia foram fantasmas comuns, que em determinado momento de suas existências entraram em contato com o Oblívio, mas alguns já se tornaram Espectros no momento de suas mortes, em especial aqueles que morreram de fome, genocídio ou outras atrocidades. A maioria dos Espectros acabam eles mesmos sendo consumidos pelo Oblívio e apagados da existência após algum tempo, mas alguns conseguem transcender para algo pior, os Malfeans. Líderes dos Espectros e mestres do Labirinto, os Malfeans se dividem em duas castas: aqueles que um dia foram vivos, e após sua morte foram corrompidos até este estágio, e aqueles que sempre foram Malfeans, desde o início do mundo, e, segundo as lendas, cavaram o Labirinto com seus próprios dentes na aurora da criação.

Um Espectro é um inimigo terrível, mas ainda assim não é a principal preocupação dos jogadores em relação ao Oblívio. Isso porque há uma razão para que cada personagem jogador seja especialmente suscetível à corrupção do Oblívio: ele já traz, desde sua morte, uma parcela desta corrupção dentro de si. Conhecida como Sombra (Shadow), esta parcela é praticamente uma segunda personalidade, que pode até dominar as ações e pensamentos do personagem durante algum tempo, em um episódio conhecido como Catarse. Somente com muita força de vontade um personagem consegue reassumir o controle e retornar de uma Catarse, embora nunca retorne idêntico a quando foi. Um personagen que não consiga escapar de uma Catarse acaba dominado pela sua Sombra, e se transforma em um Espectro.

As Sombras eram uma das coisas mais originais de Wraith, mas também uma das mais complicadas, e, segundo muitos, um dos motivos pelo qual o jogo não fez muito sucesso. Afinal, era preciso que cada jogador interpretasse não um, mas dois personagens totalmente opostos. Uma interessante regra alternativa dizia que, ao invés disso, cada jogador, além de seu personagem, podia ser responsável pela Sombra de outro jogador do grupo, o que podia dar o mesmo trabalho, mas devia ser mais divertido.

Em matéria de objetivos, nem todos os personagens de Wraith buscavam resolver seus assuntos inacabados ou se contentava em escapar do Oblívio pelo resto de sua existência; alguns se conformavam com sua nova situação, e buscavam obter prestígio, ou até mesmo poder, dentro da sociedade do Império - o que também não era nada fácil, já que, assim como os vampiros, os fantasmas mais antigos nutriam um certo preconceito pelos mais recentes, que sempre trazem novidades que acabarão por destruir a forma como eles "vivem" há séculos. Ainda assim, campanhas inteiras podiam ser jogadas dentro das próprias Shadowlands - ou até mesmo da Tempestade - o que transformava Wraith em um dos cenários com maiores possibilidades de exploração e objetivos diferentes para os jogadores.

Seguindo o esquema padrão da White Wolf, assim como os vampiros de Vampire são divididos em clãs, os lobisomens de Werewolf em tribos, e os magos de Mage em tradições, os fantasmas de Wraith são divididos em guildas. As guildas, porém, são bem menos rígidas, já que qualquer fantasma pode escolher a qual guilda irá pertencer, diferentemente do que acontece coms os vampiros, que sempre pertencem ao mesmo clã de quem os criou, ou os lobisomens, que já nascem pertencendo a uma tribo. Instituições ancestrais das Shadowlands, proibidas pelo Império, mas que continuam existindo mesmo assim, as guildas têm como principal função ensinar aos fantasmas o uso dos Arcanoi (singular Arcanos), os poderes que eles passam a ter depois da morte. Cada guilda é especializada em um Arcanos, e como o uso constante dos Arcanoi faz com que o fantasma em questão adquira algumas características bizarras, os membros de uma mesma guilda acabam ficando todos com características comuns, assim como os vampiros de um mesmo clã ou os magos de uma mesma tradição. A maioria dos Arcanoi é inspirada em poderes de fantasmas vistos em livros ou filmes, como a capacidade de movimentar objetos do mundo físico, de manipular os sonhos dos mortais, ou de possuir o corpo de alguns mortais durante um breve período de tempo. Outros são relacionados diretamente com a sociedade das Shadowlands, como a capacidade de influenciar as Sombras de outros fantasmas, ou de manipular o uso do Pathos, a energia emocional que serve de combustível não só para os próprios Arcanoi, mas também para a existência de cada personagem.

uma SombraComo todos os personagens de Wraith já estão mortos mesmo, eles não podem morrer, por isso suas fichas não trazem a famosa escala de dano sofrido dos outros livros do Mundo das Trevas, e os combates são travados de uma forma um tanto diferente. Basicamente, cada personagem possui uma característica chamada Corpus, que representa sua integridade física; ao sofrer dano físico ou emocional, o personagem perde Corpus, que pode ser restaurado gastando pontos de Pathos. Se o Corpus ou Pathos do personagem chegarem a zero, ele passará por um episódio conhecido como Angústia (Harrowing), no qual ele deverá confrontar sua própria Sombra, ganhando uma nova chance de continuar existindo se sobreviver. Desnecessário dizer, personagens que percam o confronto contra a Sombra na Angústia são devorados pelo Oblívio, deixando de existir para sempre, assim como personagens que cheguem a zero Corpus através do uso de alguns Arcanoi, ataques de alguns Espectros ou dano causado por alguns materiais especiais, como o temido Aço de Stygia. Um episódio de Angústia também pode ser provocado enquanto o personagem ainda tem Corpus e Pathos, por sua Sombra. Estes episódios não visam destruir diretamente o personagem, mas sim sua conexão com suas Paixões e Grilhões, enfraquecendo sua ligação com o mundo físico. Um personagem que perca totalmente sua conexão com suas Paixões e Grilhões também é devorado pelo Oblívio, diferentemente daqueles que resolvem sua situação em relação a eles, atingindo a Transcedência.

Finalmente, alguns fantasmas são tão ligados ao mundo físico que não se conformam de terem morrido, e acabam conseguindo uma espécie de nova chance, voltando a habitar seus antigos corpos e usando sua energia para animá-los. Conhecidos como Risen (os "postos de pé", ou algo do gênero), eles ainda mantêm todas as características de um personagem normal, como Paixões, Grilhões, Arcanoi, Pathos, Corpus e até mesmo uma Sombra, mas são capazes de viver entre os mortais como uma espécie de zumbi, um corpo morto que anda e fala. Os Risen foram descritos em um suplemento separado, e muitos nem consideram que eles façam parte do mesmo cenário de Wraith, já que pouco têm a ver com a sociedade das Shadowlands.

Dos cinco RPGs originais do Mundo das Trevas, Wraith foi o mais mal sucedido. As explicações para isso variam, desde excessiva seriedade do material até excessiva morbidez do clima, passando pelo simples fato de que jogadores de RPG não se sentem à vontade no papel de gente morta. Seja como for, Wraith só teve duas edições (a segunda é de 1996), e foi descontinuado bem antes do Juízo Final que acometeu o Mundo das Trevas em 2004, jamais ganhando uma Edição Revisada como aconteceu com seus colegas mais famosos. Wraith também ainda não ganhou uma nova versão para o novo Mundo das Trevas, mas muitos de seus elementos têm sido usados em outros dos títulos desta nova linha, especialmente o mais recente, Geist: The Sin Eaters.

Antes de ser definitivamente encerrado, Wraith ainda ganhou uma ambientação de época - Wraith: The Great War, ambientado durante a Primeira Guerra Mundial - e um cenário oriental, o Dark Kingdom of Jade. É interessante notar que as Shadowlands equivalem apenas ao mundo dos mortos da civilização ocidental, com diversos outros mundos, cada um com características próprias, e livre da influência do Império, sendo descritos nos livros e em suplementos, como o próprio Dark Kingdom of Jade, equivalente ao mundo dos mortos oriental; o Dark Kingdom of Ivory, equivalente ao mundo dos mortos africano; Khem, o mundo dos mortos do Egito, povoado até por algumas múmias; e a cidade de Swar, o mundo dos mortos da Índia. É realmente uma pena que nem todos estes cenários possam ter sido descritos em detalhes, o que teria feito de Wraith, sem dúvida alguma, o RPG de ambientação mais rica da White Wolf.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Escrito por em 17.9.09 com 0 comentários

Vampire: The Masquerade

Hoje teremos o terceiro dos quatro posts do Mês das Coisas que eu Não Gosto Tanto Assim, a série sobre os assuntos dos quais eu gosto, mas, bem, não tanto assim. Como eu disse aqui no primeiro desses posts, originalmente seriam assuntos dos quais eu não gosto, mas acabei chegando à conclusão de que, primeiro, falar sobre coisas que eu não gosto seria desagradável, e, segundo, os dois assuntos que eu já tinha separado não eram exatamente coisas das quais eu não gostasse, mas coisas que eu até achava interessantes, mas tinham algum probleminha que faziam com que eu não gostasse tanto delas. Como eu também já disse, a partir do momento em que eu tomei consciência disso, foi extremamente fácil arrumar os outros dois posts. Na verdade, um deles surgiu na minha mente quase que imediatamente: Vampire: The Masquerade. Não por acaso, o tema de hoje.

Eu adoro RPG. Embora já não jogue há um bom tempo, ainda o considero como a diversão mais estimulante simultaneamente ao cérebro, à criatividade, e às interações sociais. Também adoro o Mundo das Trevas. O primeiro RPG que joguei a sério foi Mage: The Ascension, e, se tivesse de escolher meu RPG preferido de todos os tempos, seria Werewolf: The Apocalypse. Por uma série de razões, porém, eu não gosto de Vampire. Para começar, ao contrário de um monte de gente por aí, eu não me sinto particularmente atraído por vampiros. Não vejo nada de mais neles, não sinto vontade de me tornar uma criatura das trevas, e até acho meio ridículo filmes e livros que mostram vampiros adolescentes apaixonados que bebem sangue artificial para não renegar sua humanidade ou coisa do gênero. Além disso, Vampire é, essencialmente, um jogo de política, e eu nunca entendi como alguém pode se divertir tramando maquinações políticas. Não vou dizer que nunca me diverti jogando Vampire, porque uma das sessões foi antológica para dizer o mínimo, mas, sinceramente, dos que eu joguei, era o RPG da White Wolf que eu menos gostava, e o que eu menos aceitava quando era convidado para jogar. Ainda assim, quando me perguntei quais outros assuntos poderia colocar nessa série, me lembrei de Vampire, principalmente porque eu faço menos posts sobre RPG do que gostaria.

Lançado em 1991, vampire: the Masquerade (conhecido aqui no Brasil como Vampiro: A Máscara) foi não somente o primeiro título do Mundo das Trevas, mas também o primeiro RPG da editora White Wolf. Criado por Mark Rein-Hagen, que se inspirou principalmente nos livros de Anne Rice, o jogo colocava os jogadores não no papel de heróis poderosos, mas de vampiros amaldiçoados, vivendo em um mundo à beira da extinção, tendo de esconder sua condição dos humanos, e sobreviver em meio às maquinações políticas de sua raça. Como o próprio Rein-Hagen definia, era um jogo de "horror pessoal", e não de aventuras heróicas. Por isso, ele privilegiava a interpretação, utilizando um sistema de jogo batizado de Storyteller (o "contador de histórias"), com o qual era muito mais fácil, por exemplo, enganar um oponente do que sair na porrada com ele - aliás, o Storyteller costumava ser criticado justamente porque suas regras de combate eram complicadíssimas, e seu foco na interpretação não evitava que os personagens tivessem de entrar em combate quase que uma vez por sessão de jogo.

Vampire também introduziu a marca registrada de todos os RPGs do Mundo das Trevas: os vampiros eram divididos em sete clãs, cada um com seus poderes e peculiaridades. Para criar os sete clãs, Rein-Hagen se inspirou em vários filmes, livros e lendas sobre vampiros. Assim, por exemplo, tínhamos o clá Nosferatu, inspirado no filme de mesmo nome, cujos integrantes eram deformados, mais parecidos com monstros que seres humanos; os Gangrel eram animalescos, com a capacidade de se transformar em lobos e morcegos, conforme ditavam algumas lendas da Europa Oriental; e os Ventrue eram sofisticados, transitando entre as altas esferas da sociedade, como os vampiros das histórias mais modernas. Um jogador sempre pertencia ao mesmo clã que o vampiro que o "mordeu", ou seja, as características e poderes do clã eram transmitidos por seu sangue - assim como nos livros de Anne Rice, não bastava ser mordido para "virar vampiro", era necessário ter contato com o sangue vampírico após a mordida. Os poderes de cada clã, chamados no jogo de Disciplinas, também refletiam os poderes vampíricos citados em várias fontes, como a velocidade ou força sobre-humana, a capacidade de se transformar em fumaça ou em animais, a dominação mental, entre outras. As fraquezas dos vampiros também eram as tradicionais: viravam pó ao serem expostos à luz do Sol, ficavam paralizados com uma estaca de madeira fincada no coração, e sofriam dano ao vislumbrar símbolos religiosos empunhados por pessoas de grande fé, por exemplo. Não poder cruzar água corrente, ter medo de alho e ter de ser convidado para entrar na casa de alguém ficaram de fora, sendo classificadas como "crendices".

Segundo a mitologia do jogo, todos os vampiros descendem de Caim, amaldiçoado após matar seu irmão Abel. Ao transmitir seu sangue, Caim transmitiu seus poderes e fraquezas, mas tambpem o diluiu. Em termos de jogo, isso significa que, cada vez que um vampiro transforma um mortal em vampiro, ele está essencialmente criando um vampiro mais fraco que ele mesmo. Nas regras, essa "força do sangue" é determinada por uma característica chamada Geração. Os personagens jogadores normalmente pertencem à 13a geração, e, para muitos dos vampiros mais velhos, o surgimento de vampiros de sangue tão fraco é um dos sinais do fim do mundo, que, inevitavelmente, se aproxima.

Mas os jogadores tinham mais com o que se preocupar sem ser com o fim do mundo. Ao se tornarem vampiros, muitas vezes eles tinham de deixar suas vidas humanas para trás, representando riscos para sua família e amigos se não o fizessem. Além de lidar com o preconceito ao ingressar na sociedade vampírica, os jogadores ainda tinham de cuidar para não perder sua Humanidade - não somente a qualidade que os fazia humanos, mas também uma característica representada por pontos em sua ficha, que diminuía cada vez que o jogador tomava atitudes moralmente condenáveis. Um vampiro sem Humanidade era pouco mais que um animal, sendo caçado por seus próprios pares por representar um risco à sua sociedade. Em Vampire, vampiros não podiam levar uma vida glamourosa vivendo na alta sociedade, se apaixonando por adolescentes e se alimentando de sangue sintético, eles tinham de andar na linha, se escondendo e se controlando o tempo todo - o simples fato de se "alimentar" poderia gerar perda de Humanidade, já que o vampiro podia se inebriar com o sangue e sair em uma matança desenfreada em busca de mais.

E, além disso tudo, os vampiros de Vampire não eram exatamente o topo da cadeia alimentar. Outros seres sobrenaturais, como lobisomens, estavam sempre à espreita, esperando um descuido para atacá-los e exterminá-los. Humanos que tomassem ciência de que existiam vampiros podiam se tornar caçadores, determinados a erradicar essa ameaça do mundo. E ainda haviam os outros vampiros, que podiam envolvê-los em seus jogos de poder, usando-os como peões para alcançar seus objetivos, ou decidindo matá-los porque discordavam deles sob algum aspecto. Isso era especialmente verdade no caso dos vampiros do Sabbat, um secto introduzido nos suplementos lançados depois do livro básico, de vampiros que não faziam questão nenhuma de preservar sua humanidade - de fato, em suas fichas, eles nem tinham Humanidade, mas uma espécie de código de honra qualquer, que, em termos de jogo, funcionava da mesma forma, mas, em termos de interpretação, fazia com que eles fossem menos moralmente limitados do que os vampiros do livro básico.

Ao longo do tempo, em parte graças à popularidade do Sabbat, Vampire foi ganhando novos clãs e disciplinas, que ampliavam as possibilidades dos jogadores. Para não virar bagunça, em um determinado ponto a White Wolf decidiu fazer uma separação entre clãs e "linhagens", que essencialmente eram a mesma coisa que um clã, um grupo de vampiros com poderes e características únicas, mas com a diferença de que essas características surgiram por alguma explicação estranha, ao invés de terem sido transmitidas desde o início dos tempos - nessa época, ficou acertado que cada um dos treze clãs principais teria um Antediluviano, um vampiro "mordido" antes do Dilúvio, e que transmitiu a todos os seus descendentes as características do clã em questão. Segundo a mitologia do jogo, os Antediluvianos estavam em torpor, uma espécie de sono profundo causado por ausência de sangue, e, quando acordassem, trariam com eles o fim do mundo.

Sim, o fim do mundo era uma característica essencial dos jogos da White Wolf. E o mais incrível foi que ele chegou. Em 2004, ao decidir encerrar o Mundo das Trevas e começar tudo de novo, a editora lançou uma série de livros que permitia aos jogadores jogar durante o próprio apocalipse, com Antediluvianos, vampiros de 16a geração, e tudo o mais ao que tinham direito. Depois disso, o jogo foi tirado de catálogo, e a produção de suplementos interrompida.

Antes de encontrar o armagedom, porém, vampire foi um jogo extremamente bem sucedido. Sua primeira edição ganhou o Origins Award, o Oscar do RPG, como Melhor Sistema de Regras. A ela se seguiram outras duas, a Segunda Edição, de 1992, e a Edição Revisada, de 1998, cada uma atualizando o jogo com o que havia sido lançado nos suplementos até então, e avançando um pouco mais a história em direção ao fim do mundo. Vampire foi considerado por muitos como o responsável pela chacoalhada no mercado que levou ao boom do RPG nos Estados Unidos na década de 1990, e durante muitos anos foi o RPG mais jogado do Brasil. E, assim como foi influenciado pelas obras de vampiros anteriores a ele, acabou influenciando algumas das posteriores, com alguns de seus elementos podendo ser identificados pelos fãs em filmes e livros lançados recentemente - a Sony, inclusive, chegou a ser processada por plágio pela White Wolf, que viu em seu Underworld (traduzido para Anjos da Noite) semelhanças demais com Vampire para que fosse uma simples "inspiração".

Dessa forma, nada mais natural que Vampire fosse o carro-chefe da White Wolf, e que, sempre que a editora decidisse experimentar alguma coisa, começasse por ele. Foi assim que surgiu Vampire: The Dark Ages (Vampiro: A Idade das Trevas no Brasil), um novo livro básico lançado em 1996, que colocava a ação não às portas do fim do mundo, mas em plena Idade Média, a ambientação mais popular entre os jogos de RPG. Mas esqueça a Idade Média fantástica e heróica de cavaleiros e dragões, essa era a Idade Média mesmo, de inquisição e peste negra, onde as pessoas não escovavam os dentes e morriam aos 30 anos de idade. Originalmente concebido para ser o primeiro de uma série onde cada RPG da White Wolf seria ambientado em uma época diferente (Werewolf no velho oeste, Mage na renascença e Wraith na Primeira Guerra Mundial), Dark Ages fez tanto sucesso que acabou se tornando uma série em separado, com títulos também para Werewolf, Mage e Changeling. Para substituí-lo a White Wolf preparou outro título "histórico", Victorian Age: Vampire, lançado em 2001 e ambientado na Inglaterra da Era Vitoriana.

Algo semelhante aconteceu e 1998, quando a White Wolf decidiu criar ambientações orientais para seus jogos. O primeiro lançado, evidentemente, foi Kindred of the East, que tratava dos vampiros da Ásia, chamados no jogo de kuei-jin. Inspirados em várias lendas de vampiros do Japão, China e Índia, os kuei-jin tinham muito pouco a ver com os vampiros ocidentais, sendo almas de pessoas que morreram com pendências e conseguiram retornar a seus corpos, tendo de roubar o chi de pessoas ainda vivas para poder permanecer em nosso mundo. Apesar da forma mais comum de se roubar chi seja bebendo o sangue das vítimas, kuei-jin não podem criar outros kuei-jin, e eles possuem preocupações filosóficas mais complexas que manter sua humanidade e os jogos de política de sua sociedade. Por tudo isso, os kuei-jin acabaram sendo considerados não como vampiros, mas como criaturas sobrenaturais totalmente diferentes, e Kindred of the East, de um suplemento, passou a ser o primeiro de uma série totalmente nova, centrada neles.

Além da ambientação tradicional, da medieval, da vitoriana e da oriental, os vampiros ganharam uma ambientação africana em 2003, com Kindred of the Ebony Kingdom - em tempo, "kindred", que significa algo como "aparentado", mas acabou traduzido como "membro", é como a maioria dos vampiros do jogo se refere aos próprios vampiros, embora alguns, principalmente os do Sabbat, prefiram o termo "cainitas". Conhecidos como laibon, os vampiros da África também eram diferentes dos vampiros "normais" do cenário, possuindo não um valor de Humanidade, mas uma medida de sua relação com o mundo dos mortais, chamada Aye, e uma de sua relação com o mundo espiritual, chamada Orun. O desafio para os laibon era manter o equilíbrio entre ambos, já que um laibon com um alto nível de Aye se tornava parecido com um mortal, enquanto um com alto nível de Orun se tornava degenerado e demoníaco - embora um com alto nível em ambos se tonasse uma criatura transcedental. Apesar dessa diferença, os laibon possuíam a mesma origem, fraquezas e poderes dos demais vampiros do ocidente - sendo, inclusive, divididos em clãs, chamados "legados", cada um correspondente a um dos clãs tradicionais de Vampire - embora, por terem vivido em isolamento durante um longo tempo, não acreditavam mais serem descendentes de Caim, e atribuíam sua própria existência a uma grande variedade de lendas e mitos africanos. Kindred of the Ebony Kingdom foi programado para ser o primeiro de uma série de suplementos ambientados na África, mas, devido à decisão da White Wolf de trazer o apocalipse em 2004, acabou sendo o único - os metamorfos africanos, para Werewolf, acabaram sendo citados em alguns suplementos, mas jamais ganharam um livro próprio.

Vampire também deu origem ao único card game bem sucedido da White Wolf, Vampire: The Eternal Struggle. Lançado em 1994 pela Wizards of the Coast com o nome de Jyhad - que teve de ser mudado por causa da alusão ao islamismo - V:tES foi inventado por ninguém menos que Richard Garfield, o criador de Magic: The Gathering. Garfield, inclusive, aproveitou para introduzir no jogo mecânicas que ele achava que tornariam Magic mais atraente, mas que não eram mais possíveis de se introduzir sem alterar a essência do jogo. Em 1996, a Wizards passou a produção do jogo para a White Wolf, que continua lançando novas expansões - mesmo depois do apocalipse - o que faz com que V:tES seja um dos card games mais antigos ainda em produção: até hoje, já foram lançadas 21 expansões além do set básico, e mais uma já está programada para o mês que vem.

V:tES também possui uma peculiaridade que o diferencia de praticamente todos os demais card games: ele foi originalmente concebido para ser jogado em grupo, normalmente de quatro ou cinco jogadores, e não no esquema um contra um tradicional dos card games. Em V:tES, cada jogador interpreta um vampiro antigo e de grande poder, intensamente envolvido nos jogos políticos da sociedade vampírica. Seu intuito é enfraquecer e derrotar seus oponentes, representados pelos outros jogadores, e para isso ele se utilizará de peões, que são os vampiros representados nas cartas do jogo - que, teoricamente, nem sabem que estão sendo manipulados. Em teoria, cada jogador deve se concentrar em derrotar o jogador sentado à sua esquerda, mas as interações sociais são muito fortes em V:tES, não sendo incomum que dois jogadores mais fracos decidam unir forças para derrotar um mais forte, que um jogador finja estar agindo em conjunto com outro quando na verdade está esperando o momento propício para derrotá-lo, ou que os jogadores blefem, para que os demais não saibam o que eles realmente podem fazer com as cartas que têm na mão e na mesa. De certa forma, uma partida de V:tES se parece um pouco com uma partida de pôquer, com a inteigência e a negociação tendo um papel tão importante quanto um baralho forte.

Depois do apocalipse, Vampire: The Masquerade foi "substituído" por um outro jogo, Vampire: The Requiem, lançado pela White Wolf em 2004 e ambientado em uma nova versão do Mundo das Trevas, ainda sinistro e sombrio, mas sem a iminência do fim do mundo. Como eu nunca joguei, não posso falar muito sobre ele, mas, como saudosista, às vezes tenho a impressão de que não deve ser muito bom.
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sábado, 1 de março de 2008

Escrito por em 1.3.08 com 3 comentários

Rage

Como eu já disse aqui, eu adoro card games, principalmente por causa da arte. Mas, evidentemente, não serve qualquer card game: pra começar, se a arte for inédita, ele já ganha muitos pontos; em segundo lugar, de nada adianta a arte ser fantástica se as regras fizerem com que o jogo seja muito chato; e em terceiro, evidentemente, ajuda se o card game for relacionado a algum assunto que eu goste - porque de nada adianta ser um jogo divertidíssimo e com cartas lindas se eu nem me interessar em ver como ele é.

O primeiro card game que eu joguei na vida, por exemplo, me motivou a jogá-lo exatamente por ser relacionado com o RPG que eu mais gostava de jogar. Não, não foi Magic, que apesar de eu já conhecer, ver meus amigos jogando e achar as cartas bem legais, eu só começaria a jogar bem depois. Minha estréia nos card games aconteceu com Rage, o jogo baseado em Werewolf: The Apocalypse, graças a dois amigos que começaram a colecioná-lo, talvez estivessem cansados de jogar um com o outro, e, sabendo que eu gostava de Werewolf, me convidaram. Nunca me animei a colecioná-lo eu mesmo, mas até perder o contato diário com esses amigos, joguei muito. Mais do que o suficiente para Rage entrar para a lista de meus jogos preferidos.

Rage foi lançado pela White Wolf, a mesma editora que publicava Werewolf, em 1995, no auge da popularidade dos card games, que hoje andam um pouco mais quietos. Foi o primeiro card game da editora, título muitas vezes atribuído a Vampire: The Eternal Struggle, lançado um ano antes (e com o nome de Jyhad, que depois teve de ser trocado) e baseado no RPG mais famoso da White Wolf, Vampire: The Masquerade; V:tES, porém, foi originalmente lançado pela Wizards of the Coast, fabricante do Magic, só sendo assumido pela White Wolf em 2000. Rage foi bastante popular no início, mas baixas vendas a partir da quarta expansão fizeram com que ele fosse descontinuado apenas um ano após seu lançamento. Apesar disso, uma sólida base de fãs curiosamente mantém o jogo vivo até hoje, como veremos em breve.

Ação de Combate, RageAssim como em Werewolf, em Rage os jogadores assumem o papel de lobisomens, os Garou, criados por Gaia, a Terra, para defendê-la da Wyrm. Por algum motivo que só card games e jogos de porrada estilo Street Fighter entendem, ao invés dos Garou saírem por aí metendo a porrada nos servos da Wyrm, eles resolvem meter a porrada uns nos outros. Cada jogador, portanto, controlará uma matilha de lobisomens, que terá por objetivo derrotar as outras matilhas para vencer o jogo.

Muitos atribuem o insucesso de Rage a uma eventual complexidade excessiva das regras, já que o jogo possui uma grande quantidade de tipos de cartas diferentes, cada um com uma função específica e um momento correto para ser jogado. Dizer que Rage tem regras complexas, porém, é uma meia-verdade: as regras básicas são simples, as cartas é que dão margem para que você torne o jogo tão complexo quanto quiser. Assim, se todos os que forem jogar concordarem que um tipo de carta torna o jogo desnecessariamente complicado, e este tipo não for absolutamente essencial ao jogo, basta retirá-lo do jogo e pronto.

Mas deixemos de enrolação e vamos à fatídica pergunta: como se joga? Bem, como de costume, eu não vou entrar nos detalhes mais específicos, mas falarei um pouco sobre os tipos de cartas e as regras, quem se interessar por jogar não deve ter dificuldades para encontrar um manual mais completo por aí. Para começar, as cartas de Rage se dividem em três grupos principais, os Personagens (Character Cards), as Cartas de Combate (Combat Cards) e as Cartas da Matilha (Sept Cards - na verdade, "matilha", tanto em inglês quanto quando o jogo faz referência a uma matilha de um jogador, é pack; "sept" significa algo como clã ou família, mas como este grupo reúne todas as cartas que não são Personagens nem usadas em combate, "Cartas da Matilha" acaba sendo um nome apropriado). Os versos de cada Grupo de cartas são ligeiramente diferentes, para facilitar a organização, pois, diferentemente da maioria dos card games, cada jogador não joga com um baralho, mas com dois, um Baralho de Combate e um Baralho da Matilha. Personagens não são embaralhados, já começam o jogo em cima da mesa, e de lá só saem para o túmulo.

Personagem, The UmbraAs cartas dos Personagens, inclusive, são impressas de ambos os lados: de um lado, temos a forma original do Garou, Homid (filho de Garou com humano) ou Lupus (filho de Garou com lobo); do outro, a "forma de batalha" Crinos, o lobisomem per se, mais poderoso e resistente. Apenas os impuros Metis (filhos de Garou com Garou) têm ambos os lados idênticos, pois sua "forma original" já é Crinos. Cada Personagem tem três características que influem diretamente no desempenho de sua matilha: a Fúria (Rage), que determina quais Cartas de Combate aquele Personagem poderá jogar (sendo que, quanto maior a Fúria, melhor a carta); a Gnose (Gnosis), pré-requisito para jogar algumas Cartas de Matilha (e, novamente, quanto maior a Gnose, melhor a carta); e a Saúde (Health), que serve como "energia" do personagem, diminuindo conforme ele recebe dano. Alguns personagens também têm uma habilidade especial, um texto escrito ao lado destas características, que lhe confere certas vantagens ou desvantagens durante o jogo. Finalmente, temos o Renome (Renown), um número impresso no canto superior direito, e que representa a hierarquia do Garou perante sua tribo. Evidentemente, quanto maior o Renome, melhores os níveis de Fúria, Gnose e Saúde do Personagem serão. O Renome também influi diretamente na quantidade de Personagens que cada jogador pode ter em sua matilha, e serve para determinar quem venceu o jogo: antes da partida começar, os jogadores devem combinar o "valor em Renome" do jogo - normalmente 20, mas pode ser menor para um jogo mais veloz, ou maior, para um jogo mais demorado. A soma do Renome de todos os Personagens em uma matilha deve ser igual ou menor que o Renome do jogo - assim, se o Renome do jogo for 20, você pode ter apenas dois personagens de Renome 10, dez personagens de Renome 2, ou qualquer outra combinação. Além disso, quando um personagem é derrotado por um oponente, ele vai para a Pilha de Vitória deste oponente, e seu Renome é convertido em Pontos de Vitória. Vence o jogo quem primeiro tiver Pontos de Vitória iguais ou superiores ao Renome do jogo. Embora à primeira vista possa parecer que é necessário derrotar todos os Personagens do oponente para vencer o jogo, algumas Cartas de Matilha conferem Pontos de Vitória extra aos jogadores em condições especiais, então sim, você pode perder o jogo mesmo que nenhum de seus Personagens seja morto.

E por que os Personagens são impressos de ambos os lados? Como era de se esperar, os Personagens começam o jogo com suas formas originais viradas para cima; caso durante um combate um personagem receba dano igual ou maior que sua Fúria ou Saúde, o jogador deve virar a carta, e passar a utilizar as características da forma Crinos, que tem Fúria e Saúde maiores que a forma original (mas a Gnose e o Renome são os mesmos). Embora o dano recebido pela forma original não suma quando a carta é virada, como a Saúde da forma Crinos é maior, ele ainda agüentará combater por um tempo; portanto, um Personagem só é efetivamente morto quando o dano recebido é maior que a Saúde da forma Crinos. Personagens Metis, infelizmente, não têm esta opção (afinal, eles já estão em Crinos desde o início), e morrerão caso sua Saúde seja superada pelo Dano. Algumas cartas ainda podem fazer com que Personagens mudem para Crinos instantaneamente, ou mesmo fora de Combate.

O Combate é visto por muitos como a parte principal do jogo, pois é nele que você derrotará os Perosnagens do oponente, mas só existem dois tipos de Cartas de Combate, as Ações de Combate (Combat Actions) e os Eventos de Combate (Combat Events). Os Eventos são jogados a qualquer momento entre os ataques de um combate, e possuem efeitos que modificam o jogo temporariamente. Já as Ações são as cartas que efetivamente causam dano: cada uma possui um valor em Fúria, que deve ser igual ou menor à Fúria do Personagem para que ele possa utilizá-la; um valor de Dano, que será subtraído da Saúde do Personagem atingido; e algumas possuem um efeito especial, que deverá ser seguido quando a carta for jogada. Durante um combate, ambos os jogadores escolhem suas cartas e as colocam com a face para baixo ao lado de seus Personagens, revelando-as simultaneamente. Algumas Ações de Combate permitem que Personagens escapem de ataques sem receber dano algum; a menos que um dos jogadores tenha jogado uma dessas, ambos receberão dano, independente do Dano ou Fúria da Ação da Combate do oponente. Ações e Eventos de Combate já jogados são descartados para um monte próprio, e reembaralhados para formar um novo Baralho de Combate caso este acabe.

Quanto às Cartas de Matilha... bem, aí é que o bicho pega. Originalmente, Rage trazia dez tipos diferentes de Cartas de Matilha: Ações (Actions), Aliados (Allies), Assembléias (Moots), Buscas (Quests), Dons (Gifts), Equipamento (Equipment), Eventos (Events), Inimigos (Enemies), Rituais (Rites) e Vidas Passadas (Past Lives). Diferentemente das Cartas de Combate, as Cartas de Matilha não podem ser reembaralhadas quando acabam, mas o jogador também não perde o jogo quando isso acontece, ele simplesmente não poderá mais jogar Cartas de Matilha nos momentos oportunos. Vamos ver rapidinho para que serve cada tipo:

Ações são o tipo mais fácil: o jogador pode jogá-las a qualquer momento, e o que elas dizem deverá ser feito. Eventos também funcionam desta forma, mas existem dois tipos especiais de Eventos, os Totens de Matilha (Pack Totems) e as Fases Lunares (Moon Phases). Uma Fase Lunar é pouco mais que um Evento com um momento específico para ser jogado, mas para jogar um Totem você deve ter ao menos um Personagem da Tribo aliada ao Totem em sua matilha; após jogá-lo você o coloca junto aos seus Personagens, e depois disso eles poderão se beneficiar do efeito descrito na carta do Totem.

Assim como os Totens, os Aliados também requerem a presença de determinados Personagens em sua matilha, listados como pré-requisitos na carta do Aliado. Caso sua matilha atenda os pré-requisitos, o Aliado poderá ser "recrutado" e incorporado à sua matilha; a partir de então, eles serão exatamente como qualquer outro Personagem dela, exceto pelo fato de que não possuem forma Crinos, não afetam o Renome total da matilha, e você não pode continuar no jogo caso todos os seus Personagens tenham sido mortos, mesmo que ainda tenha Aliados na matilha. Aliados possuem Fúria, Gnose, Saúde e Renome, portanto podem lutar em combates, e rendem Pontos de Vitória quando derrotados. O contraponto dos Aliados são os Inimigos; Inimigos, porém, não possuem pré-requisitos, e devem ser colocados em uma zona da mesa conhecida como Hunting Grounds (algo como "área de caça"). Uma vez lá, Inimigos podem ser atacados por qualquer Personagem, e serão controlados por outro jogador qualquer que não seja o que controla o Personagem que os atacou. Assim como Aliados, Inimigos possuem Fúria, Gnose, Saúde e Renome, e valem Pontos de Vitória. Personagens mortos por inimigos são descartados e não rendem Pontos de Vitória a ninguém, nem mesmo a quem estava controlando o Inimigo.

Os Equipamentos são itens que devem ser anexados aos Personagens em um momento próprio do jogo, e a partir de então os conferem benefícios. Alguns Equipamentos possuem pré-requisitos, e alguns possuem o subtipo Arma, Armadura ou Fetiche: cada jogador só pode usar uma Arma e uma Armadura de cada vez, e para usar um Fetiche deverá ter um valor de Gnose igual ou maior que o do Fetiche. Dons funcionam de forma parecida, mas podem ser jogados a qualquer momento: alguns devem ser anexados ao Personagem e lhe conferem benefícios, enquanto outros fazem efeitos assim que jogados. Todos possuem um requerimento em Gnose, além de um eventual pré-requisito.

Equipamento, WotARituais possuem requerimento em Renome, e um momento adequado para serem jogados, listado na carta, mas fora isso parecem com Ações e Eventos: produzem o efeito impresso na carta e pronto, sendo que alguns rendem Pontos de Vitória extras. Já as Buscas também possuem momento próprio listado na carta para serem jogadas, mas nenhum pré-requisito, e todas rendem Pontos de Vitória extras após jogadas. As Assembléias são jogadas em momento específico do jogo, e possuem um sistema curioso: além de ter um requerimento em Renome, as Assembléias precisam ser "votadas" para fazer efeito, sendo que cada Personagem (mas não os Aliados) tem um número de votos igual ao seu Renome. Se a Assembléia tiver mais votos a favor que contra, fará efeito. Finalmente, temos as Vidas Passadas, que representam a capacidade dos Garou de se comunicar com seus antepassados: uma carta de Vida Passada é colocada junto a um Personagem da mesma Tribo, que passará a usar a habilidade especial da Vida Passada como se fosse sua. As Vidas Passadas são o único tipo de carta com restrição de quantidade: apenas uma de cada Vida Passada pode estar em jogo de cada vez, mesmo que mais de um jogador a tenha em seu baralho.

Agora que já vimos os tipos de cartas, vamos a um resumo de como se desenvolve o jogo: Diferentemente da maioria dos card games, em Rage não há turnos dos jogadores, com todos agindo simultaneamente, exceto, óbvio, durante os combates. Para evitar que tudo vire uma confusão generalizada, porém, o jogo segue cinco fases, que devem ser respeitadas.

A primeira é a Fase de Pegar Cartas (Redraw Phase). Na primeira do jogo, cada jogador deverá pegar cinco cartas do topo de seu Baralho de Matilha; nas subseqüentes, pegará o necessário para que tenha cinco cartas na mão (ou seja, se ainda tiver duas, pegará três). Antes de pegar, um jogador pode descartar quaisquer cartas de sua mão que quiser, mas não poderá pegar primeiro, descartar depois e pegar novamente.

A segunda fase é a Fase de Regeneração (Regeneration Phase). Lobisomens, como todo mundo sabe, regeneram, portanto, durante esta fase cada jogador deverá remover o menor dano de cada Personagem seu. Personagens que não tenham dano, obviamente, não regeneram. Aliados e Inimigos também não regeneram, a menos que sua carta expresse o contrário.

Em seguida temos a fase onde mais coisas diferentes podem acontecer, a Fase de Recursos (Resource Phase). Durante esta fase, um jogador pode anexar um Equipamento a um Personagem, descartar um Equipamento de um Personagem, tirar um Equipamento de um Personagem e anexá-lo a outro, recrutar um Aliado ou jogar um Inimigo. Depois temos a Fase de Votação (Moot Phase), onde as Assembléias são jogadas, votadas em ordem decrescente de Renome, e fazem efeito ao final da fase. Finalmente, temos a Fase de Combate (Combat Phase), onde os combates acontecerão. Depois da Fase de Combate temos uma nova Fase de Pegar Cartas, e assim sucessivamente, até que alguém ganhe o jogo.

Aliado, LotTAo todo, Rage teve cinco expansões lançadas. A primeira, chamada simplesmente Rage, foi lançada no início de 1995, e trazia 321 cartas, sendo 81 Personagens - seis para cada uma das 13 tribos dos Garou, mais um Bagheera (metamorfo que vira pantera ao invés de lobo), um Gurahl (urso) e um Ratkin (rato).

A segunda expansão, The Umbra, foi lançada três meses depois, e lidava com o mundo espiritual do universo de Werewolf, a Umbra. Tinha 95 cartas, sendo 15 Personagens - um de cada tribo, mais um Nuwisha (coiote) e um Corax (corvo) - e, além de curiosas Ações de Combate com requisitos em Gnose ao invés de Fúria, trouxe um novo tipo de Evento, os Fluxos de Película (Gauntlet Fluxes); dois novos tipos de cartas, os Caerns e os Reinos (Realms); e acrescentou uma nova fase, a Fase da Umbra (Umbra Phase), entre a Fase de Recursos e a de Votação.

A Película é a barreira que separa o mundo físico da Umbra; cada Caern - lugares embuídos de energia mística e muito prezados pelos Garou - possui um valor de Película (Gauntlet). Personagens de matilhas que possuam um Caern podem entrar ou sair da Umbra durante a Fase da Umbra caso sua Gnose seja igual ou maior a esta Película, o que traz vantagens e desvantagens: Personagens na Umbra não podem interagir com Personagens no mundo físico e vice-versa, mas algumas cartas só podem ser jogadas com o Personagem na Umbra, ou só fazem efeito lá. Os Fluxos de Película adicionam ou subtraem valores à Película dos Caerns. Os Caerns podem ser jogados ou descartados durante a Fase de Recursos, possuem um pré-requisito que deve ser cumprido, e, além da possibilidade de entrar na Umbra, trazem um efeito especial que vigora enquanto ele estiver em jogo - o lado ruim é que cada matilha só pode ter um Caern em jogo de cada vez. Cada matilha também só pode ter um Reino em jogo de cada vez, mas Reinos podem ser jogados a qualquer momento, e enquanto estiverem em jogo afetam a todos os combates que acontecerem.

A terceira expansão de Rage foi The Wyrm, lançada no final de 1995, e que trouxe uma certa reviravolta para o jogo, pois agora era possível também jogar com as forças da Wyrm. A expansão trouxe 185 novas cartas, sendo 37 Personagens que serviam à Wyrm: nove lobisomens distorcidos da tribo Black Spiral Dancers, oito espíritos malignos conhecidos como Banes, oito cultistas sevos da Wyrm conhecidos como Sétima Geração, oito funcionários da Pentex, uma Abominação (um lobisomem transformado em vampiro), uma Ananasi (aranha), um Rokea (tubarão) e até mesmo um vampiro do clã Tzimisce. Todos, exceto os da Sétima Geração, um Executivo da Pentex e, evidentemente, os Black Spiral Dancers Metis, tinham uma forma original e uma forma de batalha, exatamente como os Garou.

Dom, The WyrmVia de regra, as cartas de The Wyrm, como Equipamentos, Aliados e Dons, só podem ser usados por Personagens que sirvam à Wyrm. Para manter este estilo, foram introduzidos dois novos tipos de cartas, as Reuniões (Board Meetings) e as Vítimas (Victims). Reuniões são, em todos os aspectos, idênticas às Assembléias, mas apenas Personagens que sirvam à Wyrm podem jogá-las, votar nelas e sofrer seus efeitos - efeitos de Reuniões não afetam Personagens de Gaia, assim como efeitos de Assembléias não afetam Personagens da Wyrm. Por causa disso, para que uma Reunião ou Assembléia possa ser jogada, pelo menos dois jogadores devem estar usando matilhas da mesma facção - ou seja, apenas se dois ou mais jogadores controlarem Personagens da Wyrm um deles poderá jogar uma Reunião. Já as Vítimas são o equivalente aos Inimigos: você pode colocar uma Vítima na mesa durante a Fase de Recursos, e, numa Fase de Combate qualquer, um Personagem da Wyrm poderá atacá-la. Personagens da Wyrm não podem atacar Inimigos, e Personagens de Gaia não podem atacar Vítimas. The Wyrm também trouxe um novo tipo de Evento, os Totens Pessoais (Personal Totems), que funcionavam exatamente como os demais Totems, mas só beneficiavam um único Personagem da matilha.

A quarta expansão, lançada em 1996, foi War of the Amazon, que curiosamente trouxe o jogo para o Brasil. Suas 140 novas cartas incluem 18 Personagens, mas apenas um deles é um Garou (da tribo Black Furies); os demais são 2 Black Spiral Dancers, 1 Bane, 4 Pentex, 1 Sétima Geração, 4 Mokolé (jacarés) e 5 Balam (onças), sendo que um deles serve à Wyrm. WotA também trouxe um novo tipo de carta, os Campos de Batalha (Battlefields), que eram jogados durante a Fase de Recursos, e então personagens que preenchessem os pré-requisitos de atacante e defensor poderiam lutar por sua posse durante uma Fase de Combate, sendo que quem vencesse ganharia o Renome do Campo de Batalha em Pontos de Vitória.

Três meses após WotA, foi lançada Legacy of the Tribes, expansão centrada nas tribos dos Garou e nas relações entre elas. De suas 215 cartas, 47 eram Personagens; cada uma das 14 tribos (incluindo os Black Spiral Dancers) ganhou 3 personagens, sendo que cinco delas (Children of Gaia, Fianna, Silent Striders, Silver Fangs e Uktena) ganharam um Personagem a mais, em uma carta raríssima, com layout diferente das demais, e que representavam Personagens do Silver Pack, uma matilha de Garou especialmente escolhida para representar a Primeira Matilha, surgida quando Gaia criou os Garou. Membros do Silver Pack jamais podiam atacar outros membros do Silver Pack, mesmo que eles estivessem em matilhas oponentes. LotT também trouxe um novo tipo de carta, os Territórios (Territories), basicamente Caerns sem Película, que podiam ser jogados durante a Fase de Recursos, e, caso algum Personagem preenchesse um eventual pré-requisito, ficariam junto à matilha, beneficiando-a com seu efeito. A expansão trouxe ainda a nova regra da Rivalidade, segundo a qual dois Personagens rivais não poderiam fazer parte de uma mesma matilha.

Após LotT, Rage foi descontinuado. Um ano mais tarde, a empresa Five Rings Publishing Group (FRPG), que publicava o card game de Legend of the Five Rings, fez uma proposta à White Wolf, e conseguiu uma licença para produzir novas expansões para o jogo. Apesar das cartas terem o mesmo verso, porém, o Rage da FRPG era bem diferente do original, tanto que suas cartas não podiam ser misturadas, devido a várias regras incompatíveis. Eu nunca joguei esse outro Rage, então não posso dizer se é bom ou não, mas sei que as cartas são mais feias, muitas repetem arte de cartas das cinco expansões originais, e as novas regras incluem que quando você joga cartas que requerem Fúria ou Gnose você deve diminuir o valor das cartas do seu total, que só será "recarregado" na próxima Fase de Pegar Cartas; alguns Garou não regeneram em todas as Fases de Regeneração, mas em Fases alternadas; os Rituais têm custo em Gnose ao invés de Renome, e alguns demoram mais de um turno para fazer efeito; e os Garou podem atacar Vítimas. Aliás, fora um Gurahl, um Nuwisha, dois Corax e um Qualmi (lince), todos os Personagens são Garou, não havendo nenhum Personagem da Wyrm no jogo.

Personagem, Rage Across Las VegasAo todo, sete expansões foram lançadas pela FRPG. As seis primeiras foram lançadas uma por mês, todas em 1998, e se chamam Rage Across Las Vegas Phase 1 até Phase 6 (com 104, 103, 94, 95, 88 e 87 cartas respectivamente); outras três Fases estavam previstas, mas foram todas reunidas em uma única expansão de 230 cartas e lançadas em 1999 com o nome de Equinox. Depois disso a FRPG foi comprada pela Wizards of the Coast, e Rage foi descontinuado de novo.

Mas não morreu, graças à Azrael Productions, que na época publicava uma revista online sobre Rage. Através de um acordo com a White Wolf, a Azrael conseguiu os direitos para organizar torneios oficiais de ambas as versões de Rage, às quais rebatizou de Rage: Apocalypse (a original) e Rage: Tribal War (a da FRPG). Embora não tenha conseguido os direitos para voltar a publicar o jogo, a Azrael convocou seus fãs para criar novas cartas, e ilustradores profissionais para ilustrá-las. A Azrael abandonou o projeto antes que as primeiras cartas saíssem, mas estes fãs e ilustradores o assumiram, e graças a isso Rage sobrevive até hoje.

Atualmente, o site oficial de Rage não é o da White Wolf, mas o da River Von. Lá o grupo que assumiu Rage publica periodicamente novas expansões em formato PDF, que podem ser impressas e utilizadas em torneios oficiais, ou para jogar online com o software CCG Workshop (que só suporta a versão Apocalypse, graças a um imbrólio envolvendo a Hasbro e direitos autorais sobre a versão Tribal War). As expansões lançadas pela River Von têm poucas cartas cada, mas fazem parte de "blocos", em um esquema como se fossem expansões grandes lançadas aos poucos. O primeiro bloco ficou conhecido como New England, é ambientado no norte dos Estados Unidos, e composto por quatro expansões: Intermezzo (15 cartas, lançada em 2003), Periphery (37 cartas, lançada em 2004), Gauntlet (65 cartas, lançada em 2004) e Coda (37 cartas, lançada em 2005). O segundo bloco, que está atualmente em desenvolvimento, se chama Ahadi, é ambientado na África, e terá seis expansões, das quais duas já foram lançadas, War Council (41 cartas, lançada em 2006) e Rainmakers (43 cartas, lançada em 2007), que trouxe um novo tipo de metamorfo para o jogo, os Ajaba (hienas). Todas estas expansões são no formato Apocalypse; a River Von chegou a produzir duas expansões para Tribal War, ambas lançadas em 2004, Web of Deceit (38 cartas) e Christmas Present (18 cartas), mas devido ao já citado problema com a Hasbro, suspendeu as novas que estavam em desenvolvimento.

Por tudo isso, Rage é um jogo pra lá de curioso: descontinuado duas vezes, atualmente publicado em PDF, sem regularidade no lançamento de novas cartas, e ainda jogado até em torneios oficiais. Mesmo após o cancelamento de Werewolf: The Apocalypse, o livro que lhe deu origem, ele sobrevive. Talvez essa seja a melhor prova de que é um bom jogo.
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domingo, 24 de setembro de 2006

Escrito por em 24.9.06 com 2 comentários

Changeling: The Dreaming

Há mais ou menos uns dois anos eu falei aqui sobre dois de meus RPGs preferidos, Mage: the Ascension e Werewolf: the Apocalypse. Ambos foram lançados pela editora White Wolf como parte de um cenário maior, conhecido como Mundo das Trevas, do qual também faziam parte outros títulos, sempre centrados em seres sobrenaturais, sendo Vampire: the Masquerade o mais famoso. Quando eu fiz estes dois posts, eu não planejava falar sobre os outros títulos da série, pelo simples motivo de que eu já tinha falado dos dois que eu mais gostava, e pra mim estava bom. Havia um outro, porém, que apesar de não ser dos meus favoritos, tinha uma história que me despertava grande simpatia, e que, das poucas vezes que o joguei, achei bastante divertido. Essa semana eu estava revendo os posts antigos em busca de uma inspiração, e decidi que seria legal fazer um post sobre esse RPG também. Não, não é Vampire. O tema de hoje é Changeling: the Dreaming.

Assim como todos os títulos do Mundo das Trevas original, Changeling também já foi cancelado. Na verdade, ele foi cancelado um ano antes do "final oficial" da série, sem nem ter direito a uma edição revisada, como seus três primos mais famosos tiveram. Isto porque o jogo tinha três problemas que o afastavam dos fãs tradicionais do Mundo das Trevas: era considerado muito complicado, muito infantil e "muito colorido" se comparado aos demais. Jogadores menos radicais não se incomodaram com estas três "desvantagens", e Changeling até ganhou uma numerosa legião de fãs, mas não teve jeito: vendeu pouco e acabou assim mesmo. Changeling será atualizado para o novo Mundo das Trevas, como já aconteceu com Vampire, Werewolf e Mage, no ano que vem, mas ninguém sabe ainda como ele ficará se alguém decidir "resolver" esses três problemas.

Certo, mas do que se trata o livro? Todo mundo sabe o que é um vampiro, um lobisomem e um mago, mas o que pipocas é um changeling? Bem, no folclore europeu, principalmente no escandinavo, um changeling é um bebê de uma criatura fantástica, como um troll ou elfo, que foi trocado de lugar com um bebê humano. Os motivos que levariam o troll, elfo ou coisa que o valha a fazer isso são obscuros, mas provavelmente seria porque ele quer um escravo humano. Acredita-se que as lendas sobre changelings surgiram para explicar porque algumas mulheres, mesmo sendo "saudáveis", tinham filhos com deformidades físicas ou doenças como a Síndrome de Down. Como ainda não haviam explicações científicas, era perfeitamente plausível que um troll tivesse passado por ali, deixado o filho dele e levado o meu.

No cenário de Changeling, os jogadores fazem o papel justamente de changelings. Mas, assim como os lobisomens de Werewolf são diferentes daqueles das lendas de antigamente, estes são changelings diferentes, pessoas comuns com alma de trolls, sátiros ou outros seres aqui coletivamente conhecidos como fadas. As fadas são criaturas feitas de magia, e tiram sua vitalidade de uma força conhecida como Glamour, algo como a inocência dos seres humanos. As fadas não são originárias da Terra, mas de uma "outra dimensão" conhecida como Sonhar (o tal Dreaming do título), onde o Glamour abunda e seus poderes são mais fortes. Antigamente, quando a humanidade era pura de coração, existiam muitas áreas selvagens, e a magia era presente, as fadas transitavam livremente entre a Terra e o Sonhar, mas a partir da Renascença, quando tudo começou a ter uma explicação científica, surgiu em nosso mundo uma poderosa força, a Banalidade, oposta ao Glamour, e capaz até de matar as fadas. Conforme o nível de banalidade foi crescendo, mais e mais fadas passaram a abandonar a Terra, morando definitivamente no Sonhar. Mas nem todas puderam fazer a viagem, e é aí que entram os personagens jogadores.

Resumindo de forma simplista, as fadas "nobres" fugiram para o Sonhar, enquanto a "plebe" não conseguiu, ou não teve como. Para não serem extintas, as fadas que ficaram para trás arranjaram um jeito para que seus descendentes sobrevivessem em meio à Banalidade: de vez em quando, um humano nasce com alma de fada. Em sua infância, ele será um humano normal, mas, pouco antes da adolescência, passará por uma transformação conhecida como Crisálida, e a partir daí passará a existir simultaneamente na Terra e no Sonhar, se tornando um changeling. Basicamente, isto significa que humanos continuarão a vê-lo como humano, mas criaturas sobrenaturais o verão como fada. Essa dualidade é um dos pontos mais criticados do jogo. Afinal, quando um lobisomem se transforma, ele existe no mundo normal como lobisomem. Um changeling, por outro lado, só existe como changeling para outras fadas, e é difícil para alguém que está conhecendo o jogo encontrar alguma vantagem nisso. Outro ponto criticado é a ausência de um "vilão": enquanto lobisomens combatem a Wyrm, e magos têm de fugir da Tecnocracia, o principal inimigo das fadas é uma força invisível que aumenta de poder conforme as pessoas perdem a inocência - algo não muito fácil de ser combatido.

Mas uma coisa legal do jogo é que ele oferece diversas opções de fadas para o jogador interpretar. Assim como os lobisomens estão divididos em tribos e os magos em tradições, as fadas de changeling são divididas em kiths, sendo cada kith um tipo de fada de alguma mitologia. O livro básico traz nove kiths diferentes: os Boggans, semelhantes aos gnomos, fadas do lar ligadas ao trabalho e companheirismo; os Eshu, viajantes e contadores de histórias da mitologia iorubá; os Nockers, semelhantes aos kobolds do folclore alemão, especialistas em construir máquinas fantásticas e dados a sair consertando tudo o que vêem quebrado pela frente; os brincalhões Pooka, criaturas com traços animais originárias do folclore celta, que adoram mentir e pregar peças, embora não façam isso por maldade; os violentos Redcaps, baseados nos hobgoblins, e que parecem estar sempre de mau humor; os Sátiros da mitologia grega, que se apaixonam facilmente e adoram cantar, dançar e beber; os nobres Sidhe, do folclore irlandês, lindíssimos e de aura nobre, que lembram os elfos dos jogos de fantasia medieval; os reclusos, esquálidos e sussurrantes Sluagh, baseados nas lendas do bicho-papão; e os Trolls da mitologia nórdica, com sua grande força, igualmente grande lealdade e maior ainda teimosia. Cada fada tem poderes, vantagens e desvantagens diferentes, que afetam inclusive a interpretação do jogador, e este é o principal argumento dos fãs: você não precisa se parecer com uma fada para agir como uma, portanto, não interessa se, no jogo, outros humanos o verão como humano; por dentro, você é fada e pronto.

Changelings podem viajar livremente entre a Terra e o Sonhar - onde aparecem para todos em sua "forma de fada" - mas isso não quer dizer que lá eles estejam seguros. Por terem nascido como humanos, eles são naturalmente carregados de Banalidade, o que faz com que se tornem párias na sociedade das fadas "puras". Além disso, por serem forasteiros, não estão acostumados com os perigos de lá, como quimeras monstruosas, feitas de puro Glamour, e caminhos que mudam constantemente, sem estarem presos às leis da realidade, e que podem fazer com que um changeling fique perdido para sempre. Do lado de cá, as coisas não são mais fáceis: uma vez que passe pela Crisálida, um changeling não se sente mais humano, e só encontra conforto quando junto aos seus iguais. Além do mais, a Banalidade cresce a cada dia, e certas pessoas, como o Povo do Outono (tradução da minha cabeça, Autumn People no original), possuem um nível de Banalidade tão alta que sua simples presença é um perigo a qualquer changeling. O mote do jogo está justamente nesta dualidade, em viver em dois mundos sem pertencer a nenhum.

Assim como os demais títulos do Mundo das Trevas, antes de ser cancelado Changeling ganhou um caminhão de livros complementares. Para os que não estavam satisfeitos com apenas nove tipos de fadas, praticamente cada um deles traz fadas novas, totalizando quase 60 fadas diferentes à disposição dos jogadores - desde que o Mestre autorize seu uso, evidentemente. Um dos meus preferidos é o livro The Shadow Court ("a corte das sombras"), que, além de dicas para jogar com personagens, digamos, menos certinhos, ainda traz as fadas da pá virada, permitindo que se jogue com Beasties, Boggarts, Bogies, Goblins e Ogros, os "primos maus" dos Pooka, Boggans, Sluagh, Nockers e Trolls, respectivamente. O Player's Handbook ("livro do jogador") vai ainda mais longe e traz os Nunnehi, treze novos tipos de fada inspirados na mitologia indígena norte-americana; em Shadows on the Hill ("sombras na colina") você encontra os seis Menehune, do folclore do Havaí; e Denizens of the Dreaming ("cidadãos do Sonhar") traz os Adhene, sete tipos de fadas do folclore da Ilha de Man. Quem quiser jogar no estilo oriental pode encontrar os Shinma, o mais perto que se pode chegar de fadas do oriente, no livro Land of the Eight Million Dreams ("terra dos oito milhões de sonhos"), que traz os cinco Kamuii, ligados aos cinco elementos (fogo, terra, água, madeira e metal) e os cinco Hirayanu, ligados aos animais. Alguns livros trazem um único kith novo, como os Clurichauns em Court of All Kings ("corte de todos os reis"), um livro que fala sobre a Irlanda; os meio-focas Selkies em The Toybox ("a caixa de brinquedos"), ambientado na cidade de São Francisco; e as dríades Ghille Dhu em Isle of the Mighty ("ilha dos poderosos"), que fala da Grã-Bretanha. Sereias e seus primos maus Murduachas estão em Blood Dimmed Tides ("marés manchadas de sangue"); os nômades e cleptomaníacos Piskies e seus primos maus Spriggans em Fool's Luck ("sorte dos tolos"); os Oba, baseados nos gênios, e seus primos maus Aithu no livro dedicado aos Eshu; e temos até uma Bruxa do Lago no livro dedicado aos Redcaps. E não vamos nos esquecer dos Inanimae, sete fadas do livro de mesmo nome, cujas almas estão ligadas a seres inanimados como árvores e pedras, ao invés de a humanos.

Enfim, Changeling era colorido não só em suas páginas, mas por toda esta variedade, e rotulá-lo de infantil só porque tem fadas foi uma grande injustiça. Mas de qualquer forma o Mundo das Trevas foi todo cancelado mesmo, e eu não estou indo muito com a cara do novo, de forma que é melhor guardar o antigo na memória. E na estante para jogar se surgir uma oportunidade.
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domingo, 15 de agosto de 2004

Escrito por em 15.8.04 com 0 comentários

Werewolf: The Apocalypse

Há algumas semanas, eu falei aqui sobre um dos meus RPG preferidos, Mage: The Ascension. Mencionei também que este era o terceiro de uma série da editora White Wolf. Pois bem, utilizando um método revolucionário de posts de trás para a frente, hoje vamos falar do segundo da série, Werewolf: The Apocalypse.

Eu tenho um carinho todo especial por Mage, que pra mim é o que tem a melhor história, mas, para jogar, Werewolf é o meu Storyteller (que é como são chamados os RPGs da White Wolf) preferido. Existente em português sob o título Lobisomem: O Apocalipse, neste jogo os jogadores assumem o papel de... bem... lobisomens. Mas esqueçam aqueles lobisomens de filme, que viram lobo na Lua cheia, matam todo mundo e depois ficam torturados com o gosto de sangue na boca. O negócio aqui é mais folclórico.

Os lobisomens de Werewolf (?) são os guardiães da Terra, escolhidos por Gaia para defendê-la das forças do mal, aqui representadas pela Wyrm. Wy-o-quê? Bem, é o seguinte: o equilíbrio cósmico do universo é, ou pelo menos era, mantido por três forças: a Wyld, o selvagem, o caótico; a Weaver, a tecelã, a ordem; e a Wyrm, o equilíbrio. A Wyld cria o incontrolável, o espaço cru onde a vida surgirá; a Weaver tece o que complementará este espaço, desde montanhas e lagos até prédios e cidades; e a Wyrm apara as arestas, destruindo os excessos e cuidando para que não haja ordem demais, nem caos demais.

Isso funcionou muito bem, até o dia em que a Weaver decidiu "tomar o poder", e triunfar sobre a Wyld. Como seu primeiro passo, ela aprisionou a Wyrm em uma teia, para que esta não impedisse seus planos. Confinada e impedida de realizar seu dever, a Wyrm enlouqueceu e, ao invés de destruir para manter o equilíbrio, começou a destruir por destruir, corrompendo e poluindo o mundo aparentemente sem motivo. Era necessária uma resistência.

Para tanto, Gaia criou os metamorfos, criaturas capazes de andar entre os homens e entre os animais, e se transformar em feras para lutar quando preciso. Abençoados por Luna, os lobisomens, conhecidou como Garou, eram os filhos mais fortes de Gaia (pelo menos em sua própria opinião) e tinham a missão mais importante: proteger a humanidade. Infelizmente, embriagados com o próprio poder, eles cometeram alguns erros.

Primeiro, considerando que os humanos eram seu rebanho, decidiram dominá-los e confiná-los a pequenas áreas, para ficar mais fácil protegê-los. Os que não aceitavam esta proteção eram caçados e mortos. Depois, decidiram que somente eles eram dignos de proteger Gaia, e caçaram até quase a extinção todos os outros metamorfos. Finalmente, voltaram-se uns contra os outros, cada um achando que somente sua tribo era a única digna de servir Gaia. Essa matança toda fez com que a Wyrm se fortalecesse. Hoje, poucos e enfraquecidos, os Garou talvez não sejam páreos para evitar o Apocalipse, que parece se aproximar mais rapidamente a cada dia. E é nessa época tão peculiar, à beira do inevitável, que nascem os personagens jogadores.

Para procriar, um Garou precisa de um parente, um humano com sangue Garou, mas que não é ele mesmo um Garou. Se um Garou procriar com outro Garou, nascerá um lobisomem deformado e estéril, ineficiente para a defesa de Gaia. Um filho de Garou com parente será um humano (ou lobo, caso sua mãe/pai seja lobo) perfeitamente normal até a adolescência, quando passará por sua primeira mudança, normalmente um evento traumático, onde ele descobrirá ser um lobisomem. Depois disso, ele será acolhido e treinado por sua tribo - ou corrompido pela Wyrm. Se acolhido pela tribo, se tornará um personagem jogador. Se corrompido pela Wyrm... bem, aí será saco de pancada para os personagens jogadores. Jogadores podem ser humanos, lobos ou até impuros, os filhos de Garou com Garou, cada um com peculiaridades próprias.

Além disso, assim como os magos de Mage se dividem em tradições, os Garou se dividem em tribos, cada uma com seus métodos e convicções, e normalmente adversária das outras, por não concordar com seus pontos de vista. Cada tribo se acha responsável pela guarda de Gaia e destruição da Wyrm. Os pobres mortais não conhecem seus inimigos nem seus defensores: depois do grande massacre de humanos do passado, os Garou decidiram se esconder da humanidade, lutando em segredo contra a Wyrm. A simples visão de um lobisomem provoca um pavor irracional (conhecido como Delírio) nos humanos, que fogem desesperados e entram em negação, tentando não acreditar no que viram. Somente os parentes são imunes ao Delírio. Desnecessário dizer, os agentes da Wyrm estão muito mais infiltrados na sociedade do que os Garou, pois nem todos têm aparência monstruosa. Entre os servos da Wyrm incluem-se humanos possuídos por espíritos malignos, lobisomens corrompidos, os Fomori (monstros capazes de assumir aparência humana) e até mesmo uma multinacional inteira, a Pentex, cujas únicas metas são poluir e ganhar dinheiro.

Diferentemente dos lobisomens de filme, um Garou pode "virar lobisomem" quando bem entender, não precisando esperar a Lua cheia. Eles também curam muito rapidamente qualquer ferimento, exceto aqueles provocados por prata e por seres sobrenaturais (como vampiros ou magos). Um lobisomem não é imortal, mas é muito longevo, e dificilmente morrerá devido a dano excessivo.

Mesmo com todas essas vantagens, como era de se esperar, os jogadores estão em grande desvantagem em relação aos inimigos. Provavelmente, é uma luta perdida. Ainda assim, é um universo interessante, apesar da superlotação de outros metamorfos (tem de tudo, desde homens-corvo até homens-cobra), e da mania norte-americana de fazer as tribos de lá mais "conscientes" que as européias. Werewolf tem o estigma de ser o jogo "mais porrada" da White Wolf, mas ainda há espaço para uma boa interpretação. E é disso que são feitos os melhores RPGs.
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domingo, 11 de julho de 2004

Escrito por em 11.7.04 com 0 comentários

Mage: The Ascension

O primeiro RPG com o qual eu tive contato, assim como quase todos os jogadores de RPG do mundo, foi o Advanced Dungeons & Dragons, o AD&D. Mas o primeiro que eu realmente joguei, o primeiro que eu aprendi as regras e participei de uma sessão de jogo, foi um bem menos cotado, apesar de não menos famoso. Seja como for, graças a esta iniciação, desenvolvi uma grande simpatia por este RPG, que até hoje considero um dos mais bem bolados, embora um tanto mal desenvolvido. O RPG em questão se chama Mage: The Ascension.

Mage, de 1994, foi o terceiro RPG lançado pela editora norte-americana White Wolf, dentro de sua linha de jogos World of Darkness, que já contava com o famoso Vampire: The Masquerade, e seu primo mais feroz, Werewolf: The Apocalypse. Mage trazia uma nova abordagem para o Mundo das Trevas, já que nele os jogadores não eram seres sobrenaturais per se, mas sim meros humanos, mortais, sem grande resistência a dano maciço ou fraquezas esotéricas como prata e a luz do Sol. Meros humanos, como eu e você. Mas dotados de grandes poderes.

A premissa é muito interessante: A realidade, na verdade, não é uma coisa imutável, pré-definida, mas sim algo construído diariamente, de acordo com as crenças e conceitos dos seres humanos. Desta forma, não é impossível uma pessoa andar em uma parede só porque a gravidade vai puxá-la para baixo. É impossível simplesmente porque todos acreditam que isso é impossível. A partir do momento em que todos passem a acreditar que podemos andar pelas paredes, realmente poderemos andar pelas paredes, com ou sem gravidade para nos puxar para baixo.

Confuso? Outro exemplo: Até o ano de 1906, era totalmente impossível um objeto mais pesado que o ar levantar vôo. Aí, surgiu um sujeito chamado Santos Dumont e inventou um objeto mais pesado que o ar que levantou vôo. A partir de então, isto passou a ser possível, e qualquer um poderia inventar um avião. Milagre da ciência? Não, simplesmente uma quebra de paradigma. Todos acreditavam que era impossível um avião voar, então era impossível; a partir do momento em que todos começaram a acreditar que era possível, passou a ser possível. Simples assim.

Um personagem de Mage (um "mago", embora bem diferente dos magos tradicionais de RPG) é uma pessoa com uma força de vontade tão grande, mas tão grande, que ele sozinho consegue romper este paradigma, conseguindo fazer praticamente tudo que sua imaginação (e conhecimento) permitir. Se acreditar que pode voar, ele realmente sairá voando por aí. Santos Dumont, no exemplo anterior, seria um mago, por ter conseguido fazer seu avião voar.

Mas existe um preço a pagar. Ninguém pode sair por aí alterando a realidade impunemente. Toda vez que um mago tenta uma proeza considerada impossível pelo paradigma atual, ele é punido por uma energia conhecida como Paradoxo. Quanto "mais impossível" a proeza, maior o Paradoxo.

Como toda regra tem exceção, existe uma forma de anular parcialmente o Paradoxo: Basta revestir sua ação impossível com um disfarce considerado possível. Assim, se você passa anos e anos projetando e construindo um aparelho mais pesado que o ar capaz de voar, quando ele levantar vôo seu Paradoxo será menor do que se você subir em uma tampa de bueiro e sair voando por aí.

Em torno destes princípios se desenvolve a trama do jogo. Para começar, existe um grupo de magos conhecido como a Tecnocracia. Desde a Renascença, quando a razão estava começando a triunfar sobre as crendices, os Tecnocratas se especializaram em tornar seus efeitos mágicos o mais "explicáveis" possível. O trabalho da Tecnocracia foi tão bem feito que eles sequer acreditam que o que estão fazendo é magia: Para eles, tudo são milagres da ciência.

É claro que, possuindo um poder que a maioria da população não possui, e pouco ameaçados pelo Paradoxo, o destino da Tecnocracia só poderia ser um: Eles dominaram o mundo. E consideram qualquer outro mago que não seja um Tecnocrata uma ameaça ao bem-estar social. E é aí que os jogadores entram.

Como já era de se esperar, os jogadores não são Tecnocratas (bem, com um Guide to the Technocracy você pode ser um, mas isso tira muito da graça do jogo). Desde antes do surgimento da Tecnocracia, os magos sempre se organizaram em grupos, pois é mais fácil sobreviver em um ambiente hostil com o apoio de amigos. Atualmente, a maioria dos não-Tecnocratas pertence a um de dez grupos, conhecidos como as Tradições.

Um jogador de Mage, portanto, estará no papel de um mago das Tradições, tentando livrar o mundo da Tecnocracia, enquanto usa sua magia sem ser pego por ela nem destruído pelo Paradoxo. É uma vida de fuga e sofrimento, mas alguns acham que a habilidade de moldar a realidade compensa.

Em termos de jogo, a magia está dividida em nove Esferas, cada uma para um aspecto da realidade: Correspondência, Entropia, Espírito, Forças, Matéria, Mente, Tempo, Vida e a energia do Primórdio, a própria energia da magia. O que um mago pode ou não fazer depende de seu "nível" em determinadas Esferas. Evidentemente, no início do jogo, um personagem poderá fazer muito pouca coisa, mas, combinando os níveis corretos nas Esferas adequadas, qualquer efeito é possível.

Mas a Tecnocracia e o Paradoxo não são as únicas fontes de preocupação para um mago. Existem ainda os Nefandi, magos infernalistas que venderam sua alma em troca de mais poder, e os Marauders (que foram traduzidos para "Desauridos", um termo que eu me recuso a usar), magos loucos que não sofrem os efeitos do Paradoxo, não importa o quão mirabolantes sejam seus efeitos. E não podemos esquecer os vampiros, lobisomens, espíritos, e todo o tipo de criaturta sobrenatural, que no Mundo das Trevas andam pela rua como se isto fosse normal e corriqueiro.

E, como se isso tudo já não bastasse, ainda há um problema bem maior: A magia esté morrendo. O paradigma se tornou tão forte, que até mesmo a Tecnocracia está tendo problemas para superá-lo. Avanços científicos, como a clonagem e os transgênicos, estão sendo rejeitados pela população, ao invés de aceitos e incorporados à realidade, como ocorria no passado. As Tradições estão fragmentadas, reduzidas em seu poder, e é pouco provável que um dia consigam abrir os olhos de todos, para que o povo aceite a magia como parte de suas vidas. Magia, hoje em dia, é artigo em extinção.

Como se vê, é uma história muito bem inventada, que eu desconfio tenha influenciado até mesmo os irmãos Wachovsky quando estes criaram Matrix. Infelizmente, Mage possui um problema muito sério com preconceito: Jogadores dos outros títulos da White Wolf consideram os magos "poderosos demais" se comparados com os demais seres sobrenaturais da editora, o que absolutamente não é verdade, visto que vampiros e lobisomens não têm um Paradoxo mordendo seus calcanhares para se preocupar. Além disso, existem os problemas básicos de qualquer série escrita por vários autores, como algumas regras mirabolantes da segunda edição que foram modificadas na terceira, mas caíram nas graças de alguns jogadores, que insistem em usá-las.

Mesmo com todos estes problemas, Mage merece uma olhada mais detalhada, seja você fã de RPG ou simplesmente de ficção científica. O livro básico da terceira edição e o Guia da Tecnocracia (ambos já existentes em português) são os melhores. Por alguma razão, agora a White Wolf resolveu reformular todos os seus RPGs. Vamos ver o que eles vão fazer com este.
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